29 de janeiro de 2014

Putin, um homem sem qualidades?

Do Diário do Comércio de São Paulo - Putin, como homem sem rosto e sem nenhuma qualidade - Renato Pompeu - Afinal, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, é um homem sem rosto ou um homem que tem uma face oculta? A dúvida está no próprio título de sua mais recente biografia ocidental, lançada este ano nos Estados Unidos pela jornalista Masha Gessen, 45 anos, nascida na Rússia e que aos 14 anos foi para os EUA, de onde voltou para seu país natal no emblemático ano de 1991 (em que a União Soviética deixou de existir), aos 24 anos, como colaboradora da imprensa russa e correspondente de publicações americanas. O livro acaba de ser publicado no Brasil, com o título de “Putin: a face oculta do novo czar”. Mas o título original, traduzido literalmente, seria “O homem sem rosto: a improvável ascensão de Vladimir Putin”. Repetindo: Putin tem uma face oculta ou não tem rosto? De qualquer modo, sobre a estrutura política e intelectual de Putin, Masha Gessen não tem dúvida: trata-se de uma nulidade, um quadro sem maior importância dos escalões inferiores da KGB, a polícia política soviética, um homem de mentalidade estreita. Mas, ao mesmo tempo, um homem perigoso, que não só pôs um freio ao progresso que teria havido no campo das liberdades públicas e individuais na Rússia durante um curto período após o fim do comunismo, como também representa, na visão da autora, uma ameaça para o mundo e para o seu próprio povo. Putin, além disso, diz Masha Gessen é corrupto e isso não vem de agora. Quando, em 1991, ainda antes do fim da União Soviética, foi funcionário da Prefeitura de Leningrado (que depois voltou a seu nome tradicional de São Petersburgo), ele assinou, segundo o testemunho de sua então chefe, Marina Salye, um contrato irregular de exportação e importação, no valor de 1 bilhão de dólares, do qual só prestou contas de 92 milhões de dólares. O processo instaurado contra Putin por Marina Salye não deu em nada e ela, dizendo-se ameaçada, refugiou-se em 1997no interior remoto do grande país, onde recebeu a biógrafa de Putin. Masha Gessen reproduz as acusações a Putin, que ela fez como repórter da revista russa “Snob”, de que ele é dono de firmas suíças criadas com verbas públicas que teria desviado. Além de corrupto – antecipando-se a José Maria Marin na entrega dos prêmios do Campeonato Paulista, Putin teria embolsado um anel de diamantes de 124 quilates que o time Patriots de Nova York ganhou no torneio Super Bowl de futebol americano – seria também violento desde a infância. Foi um garoto brigão, treinado em artes marciais, e, segundo Masha Gessen, estaria, como presidente e primeiro-ministro, ligado aos assassínios, por envenenamento e a tiros, de jornalistas e políticos que não seguiam a sua linha. Esses assassínios seriam apenas a ponta mais visível, no Ocidente, ao lado da repressão a manifestações, de uma ofensiva geral, comandada por Putin, contra as liberdades, em especial a de imprensa. Mais do que uma obra de historiadora, a biografia de Putin por Masha Geshen é a obra de uma jornalista. Grande parte de seu trabalho advém de entrevistas com pessoas que conheceram Putin em algum momento da vida dele, como Marina Salye, e que, como esta, são militantes pró-democracia e anti-Putin. A própria Masha Geshen, casada com uma russa e que tem um filho adotado e uma filha natural, foi apontada como sendo uma das líderes dos movimentos gays na Rússia, reprimidos com tanto com arbitrariedade pelas autoridades como com violência por desordeiros. O retrato de Putin por sua biógrafa difere radicalmente do retrato pintado na Rússia pelos simpatizantes do presidente. Lá ele é apresentado como o líder incorruptível que reprimiu os abusos de empresários gananciosos e que impôs alguma ordem ao caos pós-soviético da economia e das instituições. É ainda saudado como o comandante da pacificação da Chechênia. De qualquer modo, mesmo Putin não sendo um democrata e a Rússia não sendo uma democracia, têm prosseguido as manifestações contra ele nas maiores cidades do país.

Nenhum comentário: